O texto em preto é de Augusto Chagas, presidente da UNE. Em vermelho meus comentários e críticas.
O tratamento dispensado por parte da chamada grande mídia às organizações do movimento social no Brasil sempre foi o da desqualificação, criminalização e combate aberto. Com a UNE a situação não é diferente, mas houve, no último período, uma elevação no tom maldoso e até inescrupuloso com o qual esses veículos têm tratado a entidade que representa os estudantes universitários brasileiros.
Não seja ridículo, somente nos últimos anos, principalmente na nefasta era Lula, com toda a sorte de descalabros e uso das organizações de movimento social como um apêndice, mais apodercido ainda, do atual governo, esses movimentos passaram, justamente, a ser criticados com maior ênfase, inclusive a UNE.
A UNE acaba de sair do seu 51º Congresso, um dos mais importantes e o mais representativo da sua história. Mais de 2300 instituições de ensino superior elegeram representantes a este fórum, contabilizando as impressionantes marcas de 92% das instituições envolvidas, mais de 2 milhões de votos nas eleições de base e de 4 milhões e meio de universitários representados. Nosso Congresso mobilizou estudantes de todo o país, que por cinco dias debateram o futuro do Brasil – a Popularização da Universidade, Reforma Política, Democratização da Mídia, Defesa do Pré-Sal, etc.
“O RASTRO DE NOJEIRA DEIXADO PELA UNE
terça-feira, 21 de julho de 2009 | 20:42Leitores me pedem que comente a reportagem abaixo, do Correio Braziliense. Leiam. Volto no post seguinte:
Por Erika Klingl:
Garrafas de bebidas alcoólicas, preservativos, drogas e muito lixo. Nada disso combina com escola. Mas, a uma semana do retorno das aulas, foi esse o cenário encontrado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal nos 10 centros de ensino usados pelos mais de 6 mil universitários que ficaram hospedados na cidade em virtude do Congresso da União Nacional dos Estudantes (1)(UNE), entre quarta-feira da semana passada e domingo. “A gente viu uns jovens tomando banho na horta das crianças e eles ainda fizeram as necessidades em cima das plantações”, lamentou a diretora do Centro de Ensino Fundamental 01, do Lago Norte, Claudia Regina Justino Fernandes.
A horta tinha sido preparada em seis meses de trabalho com os alunos de 1ª a 6ª série do ensino fundamental. E agora, de acordo com Cláudia, com a volta às aulas, o monitor responsável pela horta, Leandro Nunes, vai ter que replantar tudo. “Não podemos permitir que as crianças comam as verduras nem mexam na terra contaminada”, completa. Cláudia conta ainda que esse foi apenas um dos problemas da presença dos estudantes na escola. “Esperávamos 400 alunos e vieram mais de 600. Muitos tomaram banhos nus no pátio da escola e constrangeram os funcionários e vizinhos. Além disso, nunca vi tanta sujeira. E a escola estava pronta para a volta às aulas”, lamenta.
Problema semelhante ocorreu na Escola Classe do Varjão. Lá, estudam crianças de cinco a 12 anos. “Foi uma pena ver tudo sujo e alguns projetos danificados. As plantas do Ciência em Foco, por exemplo, foram todas destruídas”, conta o servidor administrativo Éder da Silva. Ele chegou a chamar os coordenadores da escola quando notou que havia consumo de drogas no ambiente. “Escola não é para isso”, completa.
“Isso ocorreu em todas as escolas que eles usaram. Foi lamentável e preocupante porque deu para ver que eles não valorizam o patrimônio público”, observa a funcionária da Regional de Ensino de Brasília responsável pela acomodação dos alunos da UNE, Isabelmille Costa Militão Carneiro. De acordo com ela, a secretaria esperava receber 4 mil alunos e, no decorrer do congresso, mais de 6 mil foram alojados. “Além disso, no termo de compromisso assinado pela entidade, havia a determinação de que eles providenciariam toda a estrutura, inclusive banheiros químicos e chuveiros, e que devolveriam as escolas do mesmo jeito que encontraram”, afirma.
Não foi o que ocorreu, por exemplo, no Setor Leste, na Asa Sul. Lá, os alunos também tomaram banho de mangueira nus no pátio para surpresa da diretora, Ana Lúcia Marques. Ela chegou a chamar a polícia por causa da baderna.”
Uma destas grosserias tem a ver com o recebimento de patrocínios de empresas públicas por parte da entidade. A UNE nunca recebeu recurso público para aplicá-lo no que bem entendesse. Recebe sim, e isto não se configura em nenhuma irregularidade, apoio para a construção de nossos encontros.
Será que resistiria a uma auditoria do TCU? Será que a UNE teria coragem de solicitar uma auditoria em suas contas?
Tampouco, estas parcerias comprometeram as posições políticas da entidade. Não nos impediu, por exemplo, de desenvolver uma ampla campanha – com cartazes, debates, passeatas e pronunciamentos – exigindo a demissão de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central, que foi indicado por este mesmo governo. Não nos furtamos de apresentar nossas críticas ao MEC por sua conivência ao setor privado da educação, como no caso do boicote que convocamos ao ENADE por dois anos consecutivos. Mas, onde estavam os jornais, as TV’s, rádios e revistas para noticiar essas manifestações? Reunimos, em julho de 2007, mais de 20 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios para pedir mudanças na política econômica do governo Lula e nenhuma nota foi publicada ou divulgada sobre isso.
E os outros escândalos da era Lula? Mensalão, Renan e agora Sarney ??? Fora outros, incontáveis, escândalos de menor magnitude, onde estava a UNE? Qual foi a participação dela nos atos de protesto? Estão com medinho de perder a mamata?
Os mesmos jornais que se horrorizam com o fato de termos recebido recursos para reunir 10 mil estudantes de todo o Brasil não parecem incomodados em receberem, eles próprios, um montante considerável de verbas publicitárias do governo federal. Em 2008, as verbas públicas destinadas para as emissoras de televisão foram de R$ 641 milhões, já os jornais receberam quase R$ 135 milhões. Ora, por qual razão os patrocínios recebidos pela UNE corrompem nossas ideias enquanto todo este recurso em nada arranha a independência destes veículos? A UNE desafia cada um deles: declarem que de hoje em diante não aceitam um centavo em dinheiro público e faremos o mesmo! De nossa parte temos a certeza que seguiremos nossa trajetória! Com certeza não teremos resposta. Pois não é esta a questão principal. O que os incomoda e o que eles querem ocultar é a discussão sobre o futuro do Brasil e a opinião dos estudantes.
Gostaria muito que esse desafio fosse seguido pelas duas partes. O Brasil melhoraria um pouco se isso se tornasse verdade.
Não querem lembrar que durante a década de 90, os estudantes brasileiros – em jornadas ao lado das Centrais Sindicais, do MST e de outros movimentos sociais - saíram às ruas para denunciar as privatizações, o ataque ao direito dos trabalhadores e a ausência de políticas sociais. Que foram essas manifestações que impediram o governo Fernando Henrique Cardoso de privatizar as universidades públicas através da cobrança de mensalidades.
Tenho saudades da UNE (Cara Pintadas) e dos movimentos sociais dessa época. Porque é que voces não fazem uma experiência, rebelem-se contra seus patrões. Defendam os pontos de vista da antiga UNE com veemência e coragem e veriquem se vão continuar a receber as mesmas benesses do governo que tanto defendem. Porque é que voces não buscam patrocinadores nas empresas privadas? Voces se tornarão mais independentes para defender as idéias que realmente merecem ser defendidas.
Não reconhecem que após a eleição do presidente Lula, a UNE manteve e ampliou suas reivindicações. Resultado delas, conquistamos a duplicação das vagas nas universidades públicas, o PROUNI e a inédita rubrica nacional para assistência estudantil, iniciando o enfrentamento ao modelo elitista de universidade predominante no Brasil. Insinuam que a UNE abriu mão de suas bandeiras históricas, mas esquecem que não há bandeira mais importante para a tradição da UNE do que a defesa de uma universidade que esteja a serviço do Brasil e da maioria do nosso povo!
Quanto ao PROUNI leia com atenção ao POST de Reinaldo Azevedo:
PROUNI: COMO QUERÍAMOS DEMONSTRAR…
NO DIA 23 DE JULHO DE 2006
Então a solução é o ProUni do Lula? Não! Isso também é danação, porque se trata de uma transferência de recursos públicos para mantenedoras privadas que, na maioria das vezes, não têm qualquer compromisso com a qualidade.
NO DIA 28 DE AGOSTO DE 2006
Vocês já leram em algum lugar a crítica de que o ProUni era mera transferência de recursos públicos na veia de mantenedoras privadas de faculdades que são autênticas espeluncas? Sim, aqui e no Primeira Leitura (…). Nada menos de 237 cursos considerados insuficientes pelo próprio governo estão cadastradas no ProUni. Este é Lula, o milagreiro dos pobres.
NO DIA 15 DE MAIO DE 2007
Os pobres do ProUni não dão trabalho. Aceitam as Universidades Tabajara sem dar um pio. Difícil é manter universidade pública e gratuita para a Dona Zelite de esquerda.
NO DIA 03 DE OUTUBRO DE 2007
Nunca antes nestepaiz, Aguinaldo, se viu tanto dinheiro público DOADO para o ensino privado como agora, especialmente o do terceiro grau, por meio do ProUni. Verdadeiras bibocas, disfarçadas de faculdade, estão recebendo recursos para abrigar bolsistas.
Há alguns dias, no Estadão, o dono de uma dessas, como direi?, agências de repasse de diplomas perguntava: “É melhor um motorista de táxi com curso de direito ou sem?”
A fala é outra: “Dinheiro público para ajudar o ensino privado? Aproveite enquanto este governo está aí. Nunca foi tão fácil”.
NO DIA 6 DE MAIO DE 2008
Consolidando desigualdades com dinheiro público
Ainda sobre a qualidade do ensino superior e o ProUni, perguntam-me se não considero que, para se desenvolver, o país precisa de uma educação mais qualificada; se não acho que a expansão do ensino universitário concorre para qualificar a mão-de-obra; se essa expansão quantitativa não acaba resultando em qualidade; se a modernização do país não vai demandar uma melhor formação dos quadros médios etc e tal. Concordo com todas as afirmações embutidas nas perguntas. Não me parece que o modo escolhido para atender a essa demanda seja o mais adequado.
A expansão tem de se dar com qualidade. É o mercado que vai nos dizer se essa qualidade existe ou não? Sim, também ele. “Ah, mas é cedo para saber se o modelo funciona ou não”. Olhem, ainda não vi prática que afronta a lógica e o bom senso resultar em coisa boa. Há “universidades” oferecendo cursos de “pós-graduação” antes mesmo de o aluno terminar a graduação. Isso não é interferência do mercado na educação, mas do supermercado. E insisto: cada um faça o que bem entender com o seu dinheiro, não com o dinheiro público.
AGORA A AGÊNCIA BRASIL DE HOJE. VOLTO DEPOIS
Quase 70% dos cursos com as piores notas no Enade oferecem bolsas do ProUni
Por Amanda Cieglinski:
Brasília - De um total de 96 cursos superiores de instituições particulares que obtiveram nota um – a mais baixa possível – no último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), 67% deles estão credenciados pelo Ministério da Educação para oferecer bolsas de estudo a alunos de baixa renda no Programa Universidade para Todos (ProUni). É o que aponta levantamento feito pela Agência Brasil. Da lista dos 127 cursos com nota 1 foram excluídas 31 universidades públicas que, por sua natureza, não fazem parte do programa.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), o problema acontece porque, de acordo com a lei do ProUni, a instituição só pode ser descredenciada após dois resultados ruins no Enade. Mas como cada área é avaliada de três em três anos, há a possibilidade de os cursos mal avaliados receberam alunos pelo ProUni durante esse período.
“Como o ciclo [avaliativo] foi iniciado com uma portaria em fevereiro de 2007, ele precisa se completar. Essa exigência de qualidade na educação superior ainda está passando por uma transição, mas com um ou dois anos estará sendo aplicada de maneira irreversível. Por enquanto, nós trabalhamos nos limites do marco estabelecido pelo Poder Legislativo”, afirma a secretária de Ensino Superior do ministério, Maria Paula Dallari Bucci.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Romualdo Oliveira, especialista em ensino superior, a lei que regula o programa é falha por não apresentar nenhuma exigência de desempenho mínimo dos cursos credenciados. Em troca da oferta de bolsas integrais e parciais, as instituições privadas de ensino recebem incentivos fiscais por parte do governo. Romualdo defende que o acesso a cursos de má qualidade, por meio do ProUni, pode prejudicar o futuro dos bolsistas.
“É uma contradição porque o governo está financiando cursos de baixa qualidade, o que provavelmente vai resultar em uma exclusão do aluno no futuro em termos de mercado. Você protela o desemprego”, avalia.
A secretária Maria Paula ressalta que as bolsas adicionais que não recebem contrapartida do governo, previstas em portaria do MEC, não podem ser oferecidas por cursos de nota 1 e 2. “A leitura que deve ser feita não é a de que vamos esperar dois ciclos avaliativos de braços cruzados. Ao longo desse tempo, todas as medidas previstas na lei já estão sendo implementadas. Os cursos estão sendo chamados para assumir termos de saneamento e, em alguns casos, com corte de vagas. A exigência de qualidade virá por todos os instrumentos e todas as oportunidades que a lei faculta”, justifica Maria Paula.
Na opinião do professor Oliveira, sem uma cláusula de barreira para garantir a qualidade do ensino oferecido aos alunos, o programa “vende gato por lebre”. “Eu tenho uma crítica ao próprio programa, não acho que seja uma alternativa de viabilização de acesso ao ensino superior justamente porque subsidia cursos de má qualidade. Seria mais eficiente usar esses recursos para a expansão do ensino superior público, porque nesse há garantia de uma boa educação”, defende.
A secretária recomenda aos candidatos de bolsas no ProUni que procurem saber mais sobre a qualidade do curso antes de se inscrever. “Já que a questão econômica está equacionada, o bolsista, ao fazer a sua escolha, não precisa escolher o curso olhando se ele poderá ou não pagar a mensalidade. Ele deve observar se o curso atende à demanda dele e se é qualificado, se informar para saber se aquele é um bom curso, porque é a formação dele que está em jogo”, indica.
Desde a criação do ProUni, em 2005, já foram distribuídas mais de 430 mil bolsas. Para concorrer, o aluno precisa ter cursado todo o ensino médio em escola pública. As bolsas parciais, que custeiam 50% do valor da mensalidade, podem ser pleitadas por estudantes cuja renda per capita familiar é de até três salários mínimos. Já as bolsas integrais são restritas a alunos com renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa.
Na última edição do programa, cujas inscrições encerraram-se na segunda-feira (15) da semana passada, foram oferecidas 56 mil bolsas. A uma semana do término das inscrições, os candidatos passavam de 320 mil.
Voltei
Vocês devem imaginar a quantidade de insultos que já recebi e recebo ainda por ser praticamente voz isolada na crítica ao ProUni. De novo, não estou feliz com os supostos louros de um heroísmo — até porque não há risco nenhum em combater o programa. Fico é estarrecido que um troço desses esteja em curso. Onde estão as esquerdas, antes tão severas com o que chamavam “privatização” da Educação? Cadê a UNE? Ah, está brigando por causa de carteirinhas…
Todo brasileiro tem o direito de fazer um curso ruim? Ah, tem, sim. Com o seu (dele) dinheiro. Com dinheiro público, aí não dá. É como credenciar um hospital-açougue para atender pobres pelo SUS. Ou vocês acham que um engenheiro formado numa dessas espeluncas será disputado pelo mercado de trabalho? “Ah, mas ele pode ser, ao menos, um estoquista mais competente”. É mesmo? E por que o país precisa financiar curso universitário para estoquistas? Não seria, então, mais eficiente e correto investir essa dinheirama do ProUni em cursos técnicos? É melhor um motorista de táxi com curso de direito? Se ele souber dirigir e conhecer a cidade (e não precisa ser advogado pra isso), é até possível. Mas por que precisamos pagar para ter motoristas de táxi advogados?
E um garçom que fez administração? Duvido que, por isso, venha a se tornar maître. Há muita mistificação nisso tudo e confusão entre correlação e causa e efeito. Pessoas com formação universitária tendem a ganhar mais porque, regra geral, as profissões que exigem curso superior são mais bem-remuneradas. Mas, para tanto, precisam estar na profissão. E, para que atuem na área do curso que escolheram, têm de estar capacitadas. Não será com o diploma cedido por essas espeluncas.
Há um certo laxismo que supõe que a expansão de faculdades e estudantes universitários acabe trazendo, em algum momento, um salto de qualidade — e o mercado se encarregaria de fazer a seleção: os melhores acabariam nas melhores escolas e empregos, e os piores, nas piores. Assim seria se a grana oficial não estivesse metida nessa história e se as escolas não tivessem se transformado em meros cartórios.
Se o Estado dá o dinheiro, a contrapartida tem de ser a qualidade. Nada menos. E o governo Lula golpeou esse princípio de dois modos:
- quando mudou as regras do antigo provão; o atual Enade já faz uma avaliação muito menos eficaz do que o exame anterior; tanto é assim que as instituições particulares pararam de brigar para ter “doutores” no corpo docente;
- quando fez do ProUni um mero programa de preenchimento de vagas ociosas nas piores faculdades e universidades do país.
Outro dia alguém me disse que, na prática, Lula implementa o “liberalismo na educação”. Não! O atual modelo não é liberal. Na hipótese benigna, é burro; na hipótese maligna, é só mais uma das faces do populismo, que faz a fortuna crítica do Apedeuta na área social e, creiam, alimenta os sonhos de Fernando Haddad de voar muito alto.
PS: Ah, sim: faço essas críticas, dizem os esquerdopatas, porque sou “reacionário”. Eles, porque são “progressistas”, acreditam que ensino vagabundo, para pobre, já está de bom tamanho. Só faltava agora a pobrada exigir também uma boa escola. Aí já seria demais, né?
Augusto Chagas é presidente da UNE
(Artigo encaminhado pelo autor, originalmente publicado no site da revista Carta Capital)
Foto: Acervo UNE
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