domingo, 30 de agosto de 2009

A escolha do advogado pode ser mais reveladora que qualquer confissão

Entre uma citação em italiano de feira e outra em alemão de novela, o advogado José Roberto Batochio engatou a voz em segunda marcha para subir lentamente o aclive, estacionar na altitude exata e, caprichando na imitação de um pote até aqui de cólera, soltar a frase que haveria de deixar pálidas de espanto as nove togas presentes. “Este caso é uma versão falsificada de Davi e Golias”, comunicou ao Supremo Tribunal Federal o criminalista de 65 anos que presidiu a OAB paulista, foi deputado federal pelo PDT e se acha capaz de absolver até um serial killer preso ainda empoleirado na pilha de cadáveres. Em vez de uivos de admiração, o orador pernóstico ouviu o grito do silêncio.

Açulada pela imprensa, prosseguiu,  a opinião pública sempre escolhe o lado mais fraco quando confrontada com o que lhe parece “uma disputa do poderoso contra o humilde, o singelo, o quase indigente”. O problema é que as aparências enganam. O ex-ministro Antonio Palocci, por exemplo, não tem nada a ver com um Golias, embora pareça. O caseiro desempregado Francenildo Costa parece um Davi, mas não é. Como os brasileiros desinformados pela imprensa insistem em achar que são, melhor esquecê-los. “A opinião leiga é o mau juiz”, concluiu. Opinião leiga, no juridiquês falado por Batochio, é o outro nome do Brasil que pensa. E maus juízes são os brasileiros que veem as coisas como as coisas são.

Essa gente vê em José Roberto Batochio, por exemplo, um profissional que,  também por ter-se dispensado do compromisso com a verdade, tornou-se um dos criminalistas mais solicitados pela bandidagem da classe executiva. Há cinco anos, vem ganhando muitas causas, muitos clientes, muito dinheiro. A fama de craque consolidou-se quando impediu que a mão da Justiça alcançasse Paulo Maluf e seu filho Flávio. Quem salva uma dupla desse calibre faz qualquer milagre, ficou estabelecido. E a lista de fregueses  virou um fichário dos figurões que se meteram em confusões de bom tamanho. Todos pecaram. Nenhum foi castigado.

A escolha do advogado pode ser mais reveladora que qualquer confissão. Mas isso não é levado em conta no que o ministro Gilmar Mendes chama de “julgamentos técnicos”. O preço é caro, mas quem assina o contrato leva de brinde o militante. Nos tribunais, nas entrevistas, em artigos nos jornais, Batochio fantasia com tamanha veemência que até parece acreditar no que diz. Muitos acharam que ele estava mesmo querendo respostas quando produziu um dos melhores momentos da sessão lastimável: “Qual foi o ato, a ação, a conduta concreta do ministro Palocci, no sentido de promover, de participar na quebra do sigilo bancário, ou na divulgação dos dados bancários?”. Claro que o Batochio sabe que o estuprador autorizou a consumação do crime. Claro que sabe que os cúmplices Jorge Mattoso e Marcelo Neto não deram um passo sem o consentimento do chefe.

Se estivesse a serviço de Francenildo, diria isso com igual veemência. Como quem está pagando é o culpado, acusou a vítima, com a mesma expressão sem culpas de quem não perde o sono por pouca coisa. Sempre com a autoconfiança que transpira na foto que reuniu o Davi da vez e o aliado de um Golias. Com o terno cinza e a gravata roxa que o advogado emprestou (e os sapatos marrons e as meias esportivas que o advogado esqueceu de substituir), Francenildo tem o olhar desconfiado de quem descobriu ter penetrado em território hostil. O doutor está em casa. Sublinhados pela gravata de grife, a qualidade do tecido e o corte impecável avisam que o terno é melhor que a silhueta. Mas ele não percorre uma passarela. Caminha para outro triunfo. Sabe que aqui os Davis jamais serão reis. Perdem sempre, perdem todas.

Terminada a sessão, Francenildo voltou ao emprego provisório. “Tenho de ralar”, explicou. Batochio foi encontrar Palocci. Enquanto o caseiro ralava, rolava a festa da vitória.

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