sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ovo da serpente

Editorial de O Globo
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A CPMF era denominada contribuição provisória porque somente se justificava por uma situação emergencial. O setor público enfrentava sério desequilíbrio em suas contas e, simultaneamente a um inadiável ajuste fiscal - sem o qual não se conseguiria romper a armadilha do baixo crescimento -, o país precisava socorrer o Sistema Único de Saúde (SUS), perto do colapso.

De provisória, a contribuição quase se transformou em permanente, e isso só não ocorreu porque o Congresso teve a sensibilidade de não aprovar a perpetuação.

Como tributo, a CPMF era uma aberração, que contrariava toda a doutrina defendida pelos especialistas no tema. Trata-se de um tributo em cascata, que, mesmo com uma alíquota baixa, se avoluma em economias mais complexas, com estruturas produtivas que passam por várias etapas, como a brasileira.

Considerando-se que 2009 será um ponto fora da curva, face ao impacto da crise sobre a arrecadação tributária, a receita dos cofres públicos tem crescido bem mais do que a média da economia. Em 2008, tal fenômeno continuou se repetindo, e sem a CPMF, até porque as autoridades fazendárias compensaram essa "perda" (de R$ 40 bilhões) com aumento de outros tributos. Provavelmente voltará a ocorrer em 2010, quando a crise já tiver sido amortecida.

O ministro da Saúde, José Ramos Temporão, alega que os recursos para o SUS e demais programas públicos de saúde são insuficientes para a demanda existente - mantidos os níveis de eficiência atuais do sistema.

Há, de fato, uma elevação de custos porque a medicina tem hoje à disposição tecnologias de tratamento mais sofisticadas, porém que exigem investimentos substanciais, além de maiores despesas de manutenção.

No entanto, o governo, ao optar por expansão considerável de despesas, que absorveram todo esse aumento de arrecadação, não privilegiou a Saúde. E, diante da iminência de mais uma crise no setor, o ministro é escalado para defender no Congresso a recriação da CPMF, travestida com outra denominação (CSS) e uma alíquota aparentemente baixa.

É uma apelação, uma tentativa de sensibilizar a sociedade pelo desespero do ministro. Ora, só para o funcionalismo o Planalto deu R$ 29 bilhões apenas este ano. O que significa mais de duas vezes o que diz necessitar para a saúde(!).

Em um país como o Brasil, a demanda por serviços públicos pode ser infinita.

Não é por aumento da carga tributária que se conseguirá resolver a questão. Embora possa parecer residual, essa nova CPMF seria mais um "ovo da serpente" que acabará dando um bote fatal na galinha dos ovos de ouro, que é o sistema produtivo do país.

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